O Método Científico Aplicado ao Growth Hacking

É muito importante que growth hackers entendam um pouco mais sobre a história os preceitos do método científico, que é a base do método de growth.
 
A Ciência nasce da curiosidade humana de conhecer a verdadeira realidade sobre o universo e a sua própria existência. Cientistas se diferenciam de filósofos e religiosos no método que utilizam para chegar nessa que é uma obsessão universal: a busca do conhecimento real sobre o mundo e sobre nós mesmos.
 
Na Idade Média, quando o pensamento vigente ocidental era um reflexo da Igreja Católica, pensadores acreditavam que nossos sentidos são muito imprecisos para se chegar à verdade dos fatos. Ou seja, não podemos usar a nossa visão, ouvidos, paladar, olfato e tato para buscar conhecimento porque nossos sentidos são instrumentos imparciais e inadequados para tais objetivos.
 
Nesse sentido, o pensamento da igreja é uma herança da Grécia antiga, quando filósofos também se depararam com esse problema. Aristóteles (384 – 322 AC) evolui a ideia de Platão (428 – 348 AC) e afirma que, para resolver esse problema, nós devemos buscar a verdade através de um método que utiliza lógica dedutiva e semântica (método que ele explica em detalhes, mas que não precisamos nos aprofundar aqui). É através de indagações filosóficas que pode-se chegar à verdade superior: aquela que está acima do mundo ilógico e parcial que conhecemos através dos nossos sentidos. Usando apenas raciocínio lógico (ou seja, a sua mente e nunca seus sentidos), é possível verificar que no universo tudo o que existe tem causa e efeito. Intelectualmente podemos investigar as causas de tudo o que existe e, se o fizermos, ao final descobriremos que é necessário que haja uma causa inicial para tudo o que existe. Algo que não se move mas que coloca todo o universo em movimento. E essa “causa” é Deus.
 
Citar Aristóteles é importante porque ele é a maior influência sobre a filosofia Cristã (embora na sua origem ela é mais platônica do que aristoteliana) e que , por extensão, é a maior influencia sobre pensamento ocidental até os dias de hoje.
 
No entanto, a Igreja traz uma diferença fundamental de método em relação aos gregos quando se tratada da busca pela verdade. Ao invés de pregar o método da lógica dedutiva – uma prática muito difícil para que se tornasse universal – a Igreja se volta às escrituras antigas (a Bíblia) como melhor maneira de entender o mundo e buscar a verdade sobre nós mesmos, o universo e a sua origem.
 
Pensadores eclesiásticos se voltam primeiro a Platão e depois a Aristóteles (que foi aluno de Platão) para justificar racionalmente a filosofia da Igreja Católica (e a necessária existência de Deus), o que se torna um grande empecilho ao avanço da ciência. O status de genialidade intransponível é justificável pelos avanços do pensamento de Aristóteles em relação a seus predecessores. Mas seus méritos (juntamente com o poder político da Igreja) acabam por inibir que qualquer pessoa investigue e discorde de suas ideias, mesmo que muitas delas estivessem, como sabemos hoje, completamente equivocados. O resultado disso é a época que hoje nos referimos como “Idade das Trevas” quando, por vários séculos, todo tipo de originalidade e produção intelectual deixam de existir.
 
A nossa classificação de Idade das Trevas sobre o período entre os anos 600 e 1000 demonstra a nossa parcialidade em estudar apenas a história da Europa Ocidental. Na China, esse período é uma época de grande desenvolvimento intelectual, assim como no Japão e na crescente civilização Islâmica. Aliás, além da civilização grega (cujo método investigativo foi embrionário ao método científico), o método científico como conhecemos aparece primeiramente na civilização Islâmica. Ibn al-Haytham (965 – 1040), nascido onde hoje fica a cidade do Cairo no Egito, é considerado o primeiro cientista da história.
 
A superioridade que hoje atribuímos ao Ocidente se deve ao desenvolvimento do Método Científico que, depois do Renascimento, se plorifera na Europa ocidental em proporções nunca antes vista (nem mesmo na Grécia antiga ou no Califado). A ciência produz o seu primeiro grande desafio à ordem imposta pela igreja com a Teoria do Heliocentrismo de Nicolau Copérnico (1473 – 1543). Desde então o método científico, oficializado por Sir Francis Bacon (1561 – 1626) em 1620, consumiu o pensamento europeu, sendo o grande precedente para dominação européia sobre o mundo que, de certa forma, segue até os dias de hoje.
 
Seguindo a linha de pensamento de Platão, Aristóteles e da própria Igreja, Bacon estabeleceu que seres humanos podem interpretar erradamente tudo o que vêem, escutam, cheiram, sentem gosto ou tocam. Mas para resolver o problema da inerente falta de objetividade dos nossos sentidos, Bacon não se volta ao pensamento lógico ou às escrituras, mas sim a um método imparcial de investigação do mundo real. Esse método consiste na formulação experimentos que são elaborados com o intuito de provar que as nossas hipóteses sobre o mundo estejam erradas.
 
Perceba-se aqui a ênfase na palavra “errada.” Ao contrário de muitos de nós, cientistas não se propõem para provar que estão certos. Ao contrário, todo o seu trabalho se destina a provar que suas ideias (ou hipóteses) estão equivocadas. Apenas após esgotar todas as possibilidades possíveis de que sua ideia esteja errada é que o cientista poderá afirmar, de acordo com as evidências disponíveis até o atual momento, que sua hipótese está correta.
 
Ao contrário da Igreja, que determina que o que ela diz é absolutamente certo e eternamente inalterável, as declarações científicas são sempre feitas de maneira provisória (Russel, 1946). As descobertas científicas são declaradas com base em probabilidades e estão sempre sujeitas a alterações. Essa é a primeira e, talvez, mais importante lição que nós growth hackers devemos tirar do método científico. Nossas ideias são hipóteses que devem ser postas à prova de experimentos. Mais do que isso, mesmo quando não for possível provar que as hipóteses estejam erradas, elas devem ser declaradas “corretas” apenas até que se produzam futuras evidências que provem o contrário.
 
Desde o Renascimento, o método científico tem sido utilizado como forma de entender o mundo mas, principalmente, como forma de modificá-lo. Primeiramente utilizado em guerras, mas depois no desenvolvimento da produção de máquinas à vapor, eletricidade, tecnologias nucleares e digitais, o triunfo da ciência está em seu divórcio da teoria, se tornando uma técnica ao invés de apenas uma forma de compreender a natureza do universo.
 
A ciência então se torna uma ferramenta prática de resolução de problemas que são mais complexos do que a simples utilização do senso comum nos permitiria a solucionar.
Porque tais problemas são tão complexos, você precisa de um sistema de anotações para organizar os seus pensamentos na ordem correta da hierarquia de perguntas que você está se propondo a responder. Se você não tiver um caderno, uma planilha ou um editor de texto, você facilmente irá se perder no emaranhado de pensamentos que você está tendo para resolver esse problema.
 
O método científico também é uma forma de organizar seus pensamentos de forma hierárquica, para que você não esqueça um detalhe importante sobre o problema, ou pior, para que você não incorra no pior erro que um cientista pode cometer: achar que sabe algo que na verdade não sabe.
 
No seu caderno então, você irá descrever o método científico na seguinte hierarquia: (1) declaração do problema, (2) hipóteses sobre a causa do problema, (3) experimentos projetados para testar cada hipótese, (4) previsão de resultados dos experimentos, (5) observação dos resultados dos experimentos e (6) conclusões sobre os resultados dos experimentos.
 
Na Parte Um (1), declaração do problema, você precisa ter muito cuidado para não declarar absolutamente nada que você não saiba. Por exemplo, você não deve declarar “Problema: o que tem de errado com o página inicial do meu site?” se você não tiver certeza de que o problema está na página inicial. O que você deve fazer então é declarar o problema principal: “Problema: por que os visitantes da minha loja virtual não estão comprando?”
 
A partir dessa etapa você parte para a Parte Dois (2) do método científico, que é a formulação de hipóteses. Nesse caso você poderia dizer: “Hipótese 1: o problema está na página inicial.” É importante pensar em várias hipóteses para o mesmo problema (nesse caso, o problema de a sua loja virtual não estar vendendo). Exemplos de outras hipóteses que poderiam ser declaradas nesse caso seriam: “Hipótese 2: o problema é que estamos atraindo os visitantes errados.” ou ainda “Hipótese 3: o problema é que o preço do nosso produto é muito alto.”
 
Esse tipo de pensamento minucioso, onde o cientista se esforça para nunca ir além do que ele já sabe, é o que faz do método científico algo difícil de seguir à risca e até enfadonho. Em muitos momentos, um cientista sentirá a tentação de pular o processo de pensar em todas as hipóteses possíveis e anotá-las de forma hierárquica. Com isso, pula-se uma fase extremamente importante do método.
   
Essa rigidez no método científico foi desenvolvida com o intuito de prevenir que cientistas favoreçam determinadas teorias, atrasando o progresso da raça humana ao rejeitar novas ideias que vão contra o que eles acreditam ou tenham uma ligação emocional. Mesmo entre cientistas, centenas de anos depois da liberação das amarras da Igreja, esse tipo de situação não é tão incomum como gostaríamos. As teorias de Albert Einstein, por exemplo, foram de início veementemente rejeitadas pelos cientistas mais renomados da sua época.
A Parte Três (3) do método científico é o que a maioria das pessoas associa com ciência: os experimentos. A maioria das pessoas vêem aqueles tubos de ensaio e pensam que ser cientista é executar experimentos, ignorando o cuidadoso processo mental que vem antes e depois desses experimentos.
 
Se você algum dia assistiu o Mundo de Beakman ou qualquer outro programa de TV sobre ciência (ou mesmo uma aula de química no colégio), onde o apresentador / professor se propõe a executar um experimento científico na sua frente, sinto em dizer que você foi redondamente enganado. Mesmo a mais elaborada combinação de produtos químicos levando a reações mirabolantes não são experimentos científicos se o apresentador já souber de antemão o resultado de tal experimento. É um show de mágica, não ciência.
 
Um experimento científico de verdade se propõe a descobrir algo novo. Um growth hacker que executa um humilde teste A/B entre um botão amarelo e um botão verde está fazendo um trabalho mais científico do que um apresentador de TV que usa diversas reações químicas e aparatos, mas já sabe o resultado do experimento antes de executá-lo.
 
Outro ponto crucial para o sucesso do método científico é executar experimentos que provem apenas que a sua hipótese está correta ou não. Nada mais, nada menos. Portanto resista à tentação de testar outros elementos em seu experimento. No exemplo dado acima, se a sua hipótese é a de que um botão amarelo repercutirá em mais vendas do que o botão verde, resista à tentação de testar outros elementos da página no mesmo experimento. 
 
Ao testar mais do que a hipótese inicial se propôs a testar, você terá problemas em identificar o que deu certo ou o que deu errado. Se essa nova versão página tiver uma performance pior do que a original, qual terá sido o problema? Foi o botão, o novo logotipo ou a nova foto? Mesmo se a nova página tiver melhor desempenho, como saber qual foi o elemento (ou elementos) responsáveis por essa melhora? Sem saber as causas das melhoras (ou pioras) no seu site, você não terá aprendido nada sobre a relação entre seu usuário e seu produto, que é a razão principal desse processo todo.
 
Muitas vezes irá acontecer que o seu experimento não dê os resultados esperados. Aquela nova foto que você colocou na página inicial, mesmo que esteticamente agradável, pode piorar as vendas da sua loja virtual. Ao se deparar com isso, você irá pensar que o experimento foi um fracasso: “Não atingimos os resultados necessários, logo o experimento falhou.”
 
Esse é mais um erro que você precisa cuidar para não cometer. Um experimento só é um fracasso se ele for mal executado e não conseguir produzir resultados positivos ou negativos. Ou seja, quando ele não conseguir provar ou desprovar uma hipótese por algum problema técnico tal qual, por exemplo, um experimento não conseguir uma amostragem mínima necessária de acessos para gerar resultados estatisticamente relevantes.
A Parte Quatro (4) do método científico envolve a previsão dos resultados que determinado experimento deverá gerar. Esse passo, anterior ao início do experimento, é de extrema importância. Sem um objetivo numérico claro, você terá dificuldades em determinar se o experimento foi positivo ou negativo.
 
Por exemplo, imagine que você tenha em em sua base de dados 300 mil emails de clientes inativos (pessoas que não fazem uma compra em seu site há mais de um ano). A todo mês a sua lista de emails inativos cresce e você pode querer desenvolver um sistema de reengajamento dessas pessoas, para que uma porcentagem delas volte a ser seu cliente.
 
Em termos científicos você tem um “Problema: Existem mais de 300 mil cadastros inativos no meu site. Como sistematicamente reativar clientes que se tornam inativos?” Você fez uma reunião de brainstorming e, dentre as ideias que mais parecem promissoras está a hipótese que você quer testar primeiro: “Hipótese Um: Enviar um email a todos os 300 mil integrantes da lista de inativos oferecendo um código de desconto em sua próxima compra.”
 
A execução do experimento que irá confirmar ou não essa hipótese pode ser bastante simples: um email promocional, contendo um código de desconto, que irá ser disparado ao segmento da sua lista de emails que não visita o seu site há um ano ou mais. Se o experimento der resultados positivos, no futuro esse email será enviado automaticamente a todo cliente que chegar a um ano de inatividade. Dessa maneira, você terá criado um sistema de reativação de clientes, o que resolveria o problema descrito acima: “Como sistematicamente reativar clientes que se tornam inativos?”
 
Tudo muito bom, exceto por um pequeno detalhe: como você irá determinar que o resultado foi “positivo”? Qual a previsão tangível de resultado que você irá fazer para determinar, após a execução do experimento, que ele foi positivo ou negativo?
 
Para que não existam dúvidas no futuro sobre se o resultado do experimento fora positivo ou negativo, você precisa fazer uma previsão numérica sobre ele. Nesse caso você poderá determinar, por exemplo, que o experimento somente terá resultados considerados positivos se pelo menos 5% dos integrantes da lista fizer uma compra após receber o email.
  
Na Parte Cinco (5) do Método Científico cientistas observam os resultados do experimento de maneira objetiva e racional. Assim como cientistas em um laboratório químico precisam saber interpretar os dados provenientes das reações químicas dos seus experimentos, um growth hacker precisa saber Analytics (Análise de Dados) para observar os resultados dos experimentos e tirar suas conclusões.
 
O Método Científico é aplicado ao Growth Hacking por dois motivos. O primeiro se refere à demonstrada capacidade do método científico em resolver problemas altamente complexos. Da física quântica à exploração do universo, o Método Científico tem se provado extremamente efetivo em resolver muitos dos maiores enigmas da humanidade. Se há algo de difícil resolução, “joga-se” o Método Científico no problema que, cedo ou tarde, ele será resolvido.
 
O segundo motivo é a velocidade com que grandes problemas são resolvidos através do método científico. Basta observarmos o ritmo de inovações tecnológicas e intelectuais que atingimos antes e depois do século XVI. Somos uma espécie que habita o planeta Terra há mais 40 mil de anos, mas até antes do Método Científico, há pouco mais de 500 anos , as pessoas mais bem informadas do mundo ainda acreditavam que nosso planeta era plano e o que o Sol girava ao nosso redor. Hoje temos robôs rodando na superfície de Marte.
 
Imagine o que a aplicação desse método pode fazer pela sua empresa. Enquanto empresas tradicionais demoram anos para desenvolver novas estratégias, lançar novos produtos e se adequar às mudanças mercado, uma empresa que emprega o Método de Growth fará o mesmo em algumas semanas, talvez dias. 

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